Naquele tempo, dois dos sábios discutiam sobre se uma árvore que caía no meio da floresta sem que ninguém se apercebesse era ou não um acontecimento.
Um argumentava, perante o olhar do outro que cofiava as longas barbas como se de lá pudesse extrair a resposta final “- acontecimento é o que é, por si só. “-a tomada de consciência de um acontecimento por parte de alguém, não o faz maior nem mais pequeno” argumentava.
“-Mas se ninguém souber, não é um acontecimento, e de facto quando alguém toma consciência de algo esse algo cresce…” – afirmava enquanto compunha o turbante que o balançar do camelo teimava em descompor.
“-só se esse alguém for um alucinado que tem percepções sem objecto…” - replicava o primeiro.
“-Não - continuava o outro - se eu te conheço, relaciono-te, tu lembras-me alguém, ficas ligado ao sítio onde te conheci, a outros acontecimentos que te antecederam ou sucederam, e por isso, na minha percepção, tu és maior do que tu mesmo. Assim sucede com uma árvore que cai no meio da floresta.”
“-Mas eu posso saber que o acontecimento teve lugar de forma indirecta, sem nunca saber ao certo o que aconteceu, e ainda assim, saber que aconteceu. Por exemplo: se vir um lenhador a carregar lenha e parte dela não estiver cortada mas rasgada, não sabendo, saberei.”
“-Mas estás-me a dar razão, por veres que está rasgada, deduzes que caiu e que não foi cortada, estás a tomar contacto com o acontecimento, ainda que de forma indirecta, é como se eu te contasse que vi a estrela sem que tu lá estivesses comigo e a tivesses visto. Se a estrela tivesse passado e ninguém a tivesse visto de que serviria, seria um sinal? Não! ” – agora visivelmente irritado.
Enquanto isto um terceiro sábio não tirava os olhos do céu, a estrela tinha reaparecido e sentia que estava mais perto que nunca, só a imagem dos olhos do Rei raiados de ódio o perturbava… agradava-lhe a ideia de não terem empreendido tão ousada viagem em vão, não sabiam o que dizer quando saíram, mas teriam o que contar quando voltassem, teriam encontrado Aquele cujo nascimento lhes tinha sido anunciado por uma estrela.
Como se a discussão dos outros dois faltasse ao respeito ao acontecimento, fez-lhes sinal para que parassem e disse num tom conciliador: “-Vocês têm razão, os dois - perante o olhar atónito dos outros dois que pensavam sustentar verdades inconciliáveis - de facto - continuou – o acontecimento acontece como afirma o Belchior, mas também cresce como afirma o Baltazar, cresce não ele em si mesmo mas porque nós, ao contempla-lo passamos a fazer parte dele e por isso o acontecimento simples fica mais complexo e mais rico. Nós somos parte deste acontecimento porque o contemplamos, nós somos parte disto e, daqui a muitos anos, quando se contar a história deste menino, falar-se-á de nós”
Depois, abrindo os seus tesouros ofereceram ouro incenso e mirra e prostrando-se, adoraram-n’O.
Mt 2,11