quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Podia ter sido assim

Naquele tempo, dois dos sábios discutiam sobre se uma árvore que caía no meio da floresta sem que ninguém se apercebesse era ou não um acontecimento.
Um argumentava, perante o olhar do outro que cofiava as longas barbas como se de lá pudesse extrair a resposta final “- acontecimento é o que é, por si só. “-a tomada de consciência de um acontecimento por parte de alguém, não o faz maior nem mais pequeno” argumentava.
“-Mas se ninguém souber, não é um acontecimento, e de facto quando alguém toma consciência de algo esse algo cresce…” – afirmava enquanto compunha o turbante que o balançar do camelo teimava em descompor.
“-só se esse alguém for um alucinado que tem percepções sem objecto…” - replicava o primeiro.
“-Não - continuava o outro - se eu te conheço, relaciono-te, tu lembras-me alguém, ficas ligado ao sítio onde te conheci, a outros acontecimentos que te antecederam ou sucederam, e por isso, na minha percepção, tu és maior do que tu mesmo. Assim sucede com uma árvore que cai no meio da floresta.”
“-Mas eu posso saber que o acontecimento teve lugar de forma indirecta, sem nunca saber ao certo o que aconteceu, e ainda assim, saber que aconteceu. Por exemplo: se vir um lenhador a carregar lenha e parte dela não estiver cortada mas rasgada, não sabendo, saberei.”
“-Mas estás-me a dar razão, por veres que está rasgada, deduzes que caiu e que não foi cortada, estás a tomar contacto com o acontecimento, ainda que de forma indirecta, é como se eu te contasse que vi a estrela sem que tu lá estivesses comigo e a tivesses visto. Se a estrela tivesse passado e ninguém a tivesse visto de que serviria, seria um sinal? Não! ” – agora visivelmente irritado.
Enquanto isto um terceiro sábio não tirava os olhos do céu, a estrela tinha reaparecido e sentia que estava mais perto que nunca, só a imagem dos olhos do Rei raiados de ódio o perturbava… agradava-lhe a ideia de não terem empreendido tão ousada viagem em vão, não sabiam o que dizer quando saíram, mas teriam o que contar quando voltassem, teriam encontrado Aquele cujo nascimento lhes tinha sido anunciado por uma estrela.
Como se a discussão dos outros dois faltasse ao respeito ao acontecimento, fez-lhes sinal para que parassem e disse num tom conciliador: “-Vocês têm razão, os dois - perante o olhar atónito dos outros dois que pensavam sustentar verdades inconciliáveis - de facto - continuou – o acontecimento acontece como afirma o Belchior, mas também cresce como afirma o Baltazar, cresce não ele em si mesmo mas porque nós, ao contempla-lo passamos a fazer parte dele e por isso o acontecimento simples fica mais complexo e mais rico. Nós somos parte deste acontecimento porque o contemplamos, nós somos parte disto e, daqui a muitos anos, quando se contar a história deste menino, falar-se-á de nós”
Depois, abrindo os seus tesouros ofereceram ouro incenso e mirra e prostrando-se, adoraram-n’O.

Mt 2,11 

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