Era uma vez um homem que descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando-o meia morto.
Por coincidência, descia por aquele caminho um sacerdote que, ao vê-lo, passou ao largo.
Do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar e, ao vê-lo, passou adiante.
Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dessa homem e, vendo-o, encheu-se de compaixão.
Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-a sobre a sua própria montada.
Por esses dias, tinha eu uma estalagem que, sem grandes clientelas ia dando para viver. Um dia após outro sem grandes novidades, mas o pôr do sol é bonito todos os dias e é sempre igual, mudam as nuvens ou o resto mas o pôr do sol é sempre igual.
Uns dias os clientes eram bons, belos fatos, belas gorjetas, outros dias eram fraquitos, 5 num quarto de 3, e coisas que tais, mas íamos fechando os olhos e vivendo.
Comparado com outros, eu até nem era má pessoa. Até tinha ouvido dizer que, não muito longe dali, um colega meu de ofício, um estalajadeiro, tinha negado alojamento a uma grávida. Uma grávida tão grávida que, ao que consta, teve o filho nessa noite e lá no casebre que o pobre marido lhe arranjou para a recostar, a ela e ao menino que nasceu mesmo ali.
Parece que foi a aquecido por um burrinho e uma vaca… grande burro e grande vaca me saíram o estalajadeiro e a mulher que negaram dormida àquele casal, mas adiante.
…não era disso que eu estava a falar. Era da minha estalagem e do, pouco, que por lá se passava.
Houve um dia, ou melhor, uma noite, já bem tarde, não sei se pela primeira ou na segunda vigília da noite bateram à porta. Como por vezes o cão dormia encostado à porta e ao coçar as pulguitas batia na porta, blasfemei contra o cão e o malfadado dono (eu). Mas depois de perceber que a cadência era mais lenta que a da pata do boby em busca do parasita, atentei... e ouvi uma voz. Uma voz estranhamente educada e delicada que intercalava os chamamentos por quem lhe abrisse aporta, com palavras de conforto a quem o acompanhava.
Desci, era um samaritano... (azar, levantar-me a meio da noite para atender um samaritano... eles nem adoram em Jerusalém, diz-se que é Garizim, ou lá o que é...) mas então, também têm ossos e precisam de os descansar.
Por falar em ossos, conto-vos o estado em que estavam ossos do que ele trazia, se os tinha estava que nem os das galinhas de fricassé depois de o Boby se entreter com eles...
Mal, mas mal. Quando o samaritano lhe pegou para o levar para o quarto, eu ainda pensei em ajudar, mas de facto tive medo de ficar com algum pedaço na mão, e depois é que era o elas.
Acompanhei com os olhos, meio a fechar de sono e, depois de sossegarem, fui dormir o sono dos justos até de manhã.
Quando acordei, já nem me lembrava daqueles dois, apanhei um susto dos grandes, ao abrir o postigo e ver um burro a olhar para mim. Muito sério, com olhos de quem quer palha mas não lha dão. Era o burro do samaritano, salvo seja! Que me lembrou que tinha um dono e que o dono tinha um companheiro. “Como é que ele estaria?” pensei eu, enquanto fui buscar palha para o burro.
Ainda eu pensava nisso quando o samaritano, com o qual passava a simpatizar depois de ver o cuidado dele com a pessoa estropiada que trazia, apareceu e sem grandes explicações estendeu dois denários... dois denários... era mais dinheiro do que eu tinha visto em toda a minha vida, junto. Estaria a preparar-se para comprar o meu silêncio? Mas o meu silêncio não valia tanto, eu até sou do género: “mais vale estar calado e parecer parvo do que abrir a boca e confirmá-lo”. Ou então quem ele trazia morreu, e ele quer que eu faça o funeral… mas com dois denário enterro-o a ele á família toda, em túmulos de ouro. Já sei, veio morrer longe e, ele quer que repouse em paz na sua terra natal. Mas isso deve ser muito longe, ora eu perco-me daqui ao moinho… isto não vai resultar.
Estava eu tão entretido nos meus medos e pré-ocupações, que nem me apercebi do que ele dizia: "Trata bem dele e, o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar."
Subi, para ver como estava a pessoa, à espera de a ver mais parecida com papas do que com gente, mas… qual não foi o meu espanto quando vi que o samaritano já tinha feito tudo, tinha tratado dela, tinha-lhe curado as feridas que o desamor a indiferença, a falta de auto confiança e outras agressões lhe tinham causado e eu só tive que o abraçar e dizer: “Ele ama-te muito.”
Ainda estou à espera que o samaritano volte. Porque do que ele me deu cresce e quanto mais gasto, mais tenho.
E ainda ele me dizia: - “quando voltar pago o que gastares a mais, ele há gente… excessos de amor!”
Lc 10, 29 - 37
"Quando o fariseu lhe pegou para o levar para o quarto...." meu caro, nesta história, o fariseu e o sacerdote já estavam fora de jogo... esta história sei-a bem...
ResponderEliminarAlmano Trinitas Mathaios
tem razão, se não se importar vou corrigir,
ResponderEliminaracontece-me quando corrijo e leio o que quis escrever e não o que escrevi...
obrigado
Belo "aggiornamento" personalizado desta história sempre tão interesse. Quanto à actualidade da mensagem, nem é preciso falar...
ResponderEliminarParabéns pela escrita. Não me surpreendes, mas fica "surpreendido" na mesma.
Deus te guarde nesse ritmo inspirado e inspirador.
Abraço
É sempre bom ler aquilo que escreves (melhor só mesmo ouvir, E disto, já tenho saudades!)... E é melhor ainda quando, na história, é o Amor que vence :-)
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