“-Porque cheguei a este beco? “
“-Porquê a mim? “
“-Porquê assim?”
“-Porquê agora?”
Vendo aproximar-se o que podia ser um aldeão local, o caminhante dirigiu-se a ele e com os olhos a pouco mais de um palmo dos do outro, e continuou a repetir os mesmos porquê’s.
O homem velho e calmo, respondeu com serenidade e afabilidade:
“-Não sei nem quero responder, não me interessa… nem a si. “
E depois de perceber que a irreverência da resposta captou a atenção do caminhante continuou:
“- O Senhor quer é sair daqui, o que quer é estar bem, o que quer é ser você e não isto em que se tornou. Para quê perder tempo a encontrar os porquê’s? Para quê gastar forças a esmiuçar todas as razões que o conduziram aqui? Para quê procurar culpas e culpados? Para quê procurar mais coisas com que carregar, se o que precisa é de ficar mais leve para se içar do fundo poço onde caiu?”
O caminhante fitava-o atento, com os lábios ainda a mexer por força do hábito de tantas horas repetir os mesmos porquê’s, como um carro que abranda, não por o travarem mas por deixarem de acelerar. Com os olhos fixos na boca do ancião, enrugada e côncava por falta de dentes, olhava-o como quem olha a fonte enquanto enche o cantil.
O Ancião continuou:
“-As respostas que precisa falam do como. Como é que aqui veio parar, em que cortadas se enganou, que conselhos (não) acatou, quais os caminhos que trilhou, que caminhos atalhou… do que se lembra que lhe ensine o caminho até onde esteve pela última vez certo que estava certo?”
“-Mas eu estou num beco sem saída… Murmurou o peregrino, num tom de voz quase imperceptível.”
“-Pois está, -respondeu o velho - e por isso não há escolha mais fácil, só há um caminho e é voltar para trás. Só há becos para quem não sabe voltar para trás… para quem não sabe reconhecer um erro e permanece num misto de obstinação em derrubar a parede e vergonha de reconhecer o erro.”
O Rosto do caminhante ia agora recuperando traços humanos e naturais no lugar dos de animal enjaulado que anteriormente ostentava.
“-Se o caminho é para trás, que seja, será caminho seu e o senhor o caminhante dele e serão juntos um só, um que lá está desde sempre, mas que será mais porque o andou, outro que, pode lá ter passado mil vezes, reparará em cada pormenor com olhar renovado, que de sentidos apurados levará consigo a mais importante parte do caminho: o sentido.
Podemos, por vezes, dar um passo a trás para ganharmos perspectiva... e olhar... e chegar mais longe.”
“-Como é que sabe isso tudo, um aldeão aqui numa terra de ninguém…" perguntou o agora atónito caminhante.
O velho irrompeu numa gargalhada, de improvável vivacidade para a sua idade, e depois, já a voltar-se para continuar o seu caminho, respondeu em tom de quem diz a coisa mais óbvia do mundo:
“-É que eu venho no caminho de regresso…”
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